Gosto muito das surpresas que me reserva a reorganização na casa das Bendittas. Confesso que me perco em devaneios junto
aos retalhos, tecendo novos projetos entre lãs e estampas. O tecido de pele das fadas (sim, existe!) está chegando ao final e ainda não foi substituído por outro
com igual capacidade de provocar minha imaginação.
As tricolines utilizadas nos corpos das bonecas me surpreendem com os inúmeros tons de bronzeado, como se tivessem aguardado ao sol a sua oportunidade de se submeter à autoridade das tesouras. Mas o que mais me desafia são as caixinhas de botões, os fundos das gavetas, que raramente se mostram como são: locais mágicos de onde brotam surpresas.
Nesse garimpo/faxina encontrei meu velho dedal, parceiro de bordados desde sempre. Assim como a maioria das parteiras, tenho mãos pequenas, mãos de segurar pio de filhote de passarinho, de futucar segredos e de enlaçar o desejo dos velhos, como se houvesse em mim uma menina travessa que teima em permanecer.
Tenho aprendido a lidar com as travessuras dela mas, desde que sumiu meu dedal, espeto os dedos com frequência pois não é fácil encontrar substituto que se componha com o tamanho dos meus dedos. Até tentei fazer disso um exercício de presença, silenciando
o pensamento a cada espetadela, esticando a tolerância, mas não funcionou muito bem. Assim, é com certo alívio que meu dedo encontra o velho dedal, companheiro habituado a amortecer a rudeza das agulhas e a me apoiar na conquista do bordado impecável, como se ainda fosse viva a minha mãe, como se o olhar dela atrás dos óculos
ainda espreitasse o resultado de meu trabalho, com amor e severidade.
Seja bem-vindo de volta à lida, meu dedal querido! Celebro o seu reaparecimento como a um amigo fiel, companheiro de todas as batalhas. Em sua homenagem, vou separar os lilases mais sutis, o brilho forte de meus amarelos, e bordar uma festa. Generoso esse dedal, que me recorda o quanto sou amada e não me deixa esmorecer.