É comum que os começos se caracterizem pelo exercício das escolhas, dos limites, e o início da Casa das Bendittas não foi diferente. A despeito do inestimável apoio que recebemos, frequentemente me deparei com o desafio de estender a criatividade na direção de harmonizar necessidades com a limitação de investimento.
Lembro especialmente da questão das embalagens, ainda não superada de fato. Afoita que sou, investi logo de início em grande quantidade de um tecido simples, branco, que garimpei a bom preço. Mas, ao confeccionar as primeiras embalagens, veio a constatação de que o material não se prestava àquele fim. Era frágil para a função, uma trama de tessitura irregular apesar de bela… E lá ficou o dito cujo no fundo do armário, aguardando uma nova finalidade, rotulado de “o tecido que não deu certo”. Toda arrumação, era a mesma coisa: separar por cor predominante os estampados, organizar os tecidos lisos… E “o que não deu certo” se perdia, inclassificável, em meio a tudo aquilo.
Assim foi até que um dia eu me vi espelhada naquele tecido branco. Eu, a médica que minha mãe sonhara mas que não suporta ver sangue em machucados, me enxerguei retratada ali, fragilidades e bonitezas à espera de um novo significado.
A partir de então, aquele tecido se transformou em meu companheiro de desafios, a pista de provas dos projetos desafiadores, da modelagem inédita que sou compelida a encarar frequentemente. “O que não deu certo” assumia, assim, um encargo nobre, de me favorecer a experimentação de novas possibilidades de criação. Posso entrever uma certa alegria na forma como ele se desdobra sem reservas sobre a minha bancada de trabalho, à espera de mais um teste de modelagem a fim de revelar uma boneca diferente, um traje especial, um objeto sonhado em benefício da expressão das Bendittas.
“O tecido das inúmeras possibilidades”, é assim que hoje ele se chama. Assim também eu, Amaziles, Maria que sou plural em meu segundo nome de batismo. Assumo com alegria a possibilidade de ressignificar minha história, dia após dia, ocupando com alegria o meu espaço no armário divino que é a vida.