Hoje foi dia de faxina na Casa das Bendittas. Olhando a lixeira repleta de retalhos, pedaços de moldes, linhas e lãs, eu me vejo diante de duas escolhas: lamentar o desperdício de alguns materiais que não se transformaram em bonecas, ou celebrar o aprendizado que isso tudo me proporcionou.
Costumamos olhar nosso passado com as lentes de criança mimada: o que atendeu as nossas expectativas é considerado bom; o resto, a dor que nos tirou da zona de conforto, rotulamos de sofrimento. Mas sabemos que não é bem assim.
Bem no meio da lixeira, provocando o meu olhar, há o molde fracassado de uma boneca com seios. Quantas vezes eu redesenhei esse corpo! Quantas vezes o preenchi com a pluma, na esperança de ver uma modelagem harmônica e me frustrei! Foram tantas tentativas mal sucedidas até que, viva! Finalmente o corpo da Benditta ficou ainda mais feminino! E surgiu a Benditta Nutrição, amamentando seu filhote.
Posso lamentar o tempo perdido com tantos moldes errados, mas também posso ser grata pela prática que me levou a conquistar este novo padrão. Por isso, hoje escolho praticar minha gratidão a tudo.
Enlaçados no molde estragado, vejo o registro de uma visita que ocupou meu tempo com uma conversa sem sentido, me ensinando a respeitar o tempo alheio. Vejo muitos rostos que povoaram meu passado, mas cuja presença não faz mais sentido agora. Vejo o algodão que socorreu meu dedo, furado pela agulha, a flor que ganhei, e que não resistiu ao tempo seco de Brasília. Olhando o lixo, descubro o quanto sou rica, o quanto sou amada!
Lixo contador de histórias, continue registrando meus passos, para que eu nunca me esqueça de agradecer!