Agradecendo os nós

Confesso que tenho um respeito imenso pela minha rotina na Casa das Bendittas. Procuro administrar a agenda com respeito às demandas que se apresentam (embora às vezes negligencie as minhas próprias), observo horários… Mas, a despeito de tanto zelo, não é incomum que ocorram contratempos dos mais variados matizes, que interferem no fluxo da criação. Eu costumo chamá-los de “enxame dos nós”.

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Correio Brasiliense – 30/12/2013

bonecas de pano, ‘bruxas’, brinquedos de criança pobre, indústria doméstica precária e tradicional no Brasil são documentos expressivos da arte popular”, disse Câmara Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro (1969) — uma das poucas referências que a pesquisadora Macao Goés e a fotógrafa Graça Seligman encontraram sobre as tradicionais bonecas que fizeram parte da infância de muitas crianças, especialmente nas décadas de 1940 e 1950, no Brasil.

A profunda pesquisa de campo, no entanto, foca-se no trabalho das artesãs, consideradas mestras brasileiras do corte e recorte. “Para alguns, são apenas um monte de retalhos, farrapos e trapos insignificantes que poderiam ficar jogados em qualquer canto da casa. Poderiam. Mas não para essas mulheres com sensibilidade e mãos mágicas de artesãs. Senhoras que se debruçam em suas máquinas de costura e colocam alma em panos surrados. (…) Quase milagre criados pelas mestras bonequeiras que, ainda na infância humilde, aprenderam a fazer seus próprios brinquedos”, contam as autoras na apresentação do livro Que boneca é essa?, fruto das pesquisas de Macao e Graça. As duas conheceram mulheres de 50 a 90 anos que encontraram na agulha, na linha e nos retalhos os instrumentos para gerar renda, além do prazer de reencontrar a infância.

Macao publica trabalhos sobre cultura popular desde 1979 e,  ainda no Rio Grande do Sul — terra natal da autora —, começou a desenvolver paixão por brinquedos populares. Após ganhar bolsa de estudos no México, começou a montar vasta coleção. “A boneca é o brinquedo ícone de toda criança, e nem existe mais essa questão de gênero. Comecei a pesquisar, vim para Brasília e ganhei bolsa de estudos no México. É uma coleção belíssima, um acervo fantástico. Tentei parcerias em vários espaços e não consegui. Mas um dia o Dragão do Mar (Centro Cultural em Fortaleza) ficou com o acervo. Era o meu sonho que a comunidade tivesse acesso. Minha coleção estava muito completa, desde a mais simples à mais gigantesca”, descreve.

A autora explica  que a boneca evoluiu tanto no que diz respeito ao modo de produção quanto ao produto. Para pesquisar a origem da peça como brinquedo, Macao foi ao México. “Lá encontrei as Lupitas (referência à Nossa Senhora de Guadalupe), que estão desaparecendo”. A história dos brinquedos na América Latina, aliás, tem origem na cultura da Península Ibérica, segundo a pesquisadora. “Há uma grande variedade de bonecas, com raízes da cultura espanhola e indígena”, completa.

O que marca a identidade das bonecas de pano como um brinquedo popular é a riqueza de vida transmitida por gerações. Macao conta que aprendeu com as mestras bonequeiras a generosidade em ensinar, sobretudo. “São descobertas do fazer a cultura local e da grande generosidade de ensinar o que elas sabem sem cobrar nada, além da curiosidade. Elas não copiam, inventam. É uma riqueza de vida, um encontro com o tempo.”

A arte em Brasília

A artesã Maria Amaziles, de 55 anos, aprendeu com a mãe a arte de fazer bonecas e considera Brasília uma fonte adequada ao processo criativo. Maria criou a marca Benditta, que reúne pequenas obras de arte feitas de pano. Entre as peças, algumas representam a capital federal. Ela criou a família candanga — inspirada nas fotos do Arquivo Público —, uma bordadeira de Planaltina, uma colhedora de flores do cerrado, as Marianjas inspiradas nos anjos de Ceschiatti e a Sinhá Laiá — do grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro. “Eu me considero a parteira das Bendittas, pois me sinto uma parte de um processo maior desta semeadura.
Duas perguntas para Maria Amaziles, artesã de Brasília

Como foi seu primeiro contato com as bonecas e como funciona essa relação de tradição da arte de fazer bonecas em sua família?

Na verdade, as artes manuais têm grande destaque na minha família, como é tradição em Minas Gerais. Aprendi diversas habilidades manuais com minha mãe, que aprendeu com minha avó, tais como tricô, croché, bordado, etc. Nunca havia feito bonecas antes e o meu interesse foi despertado a partir da ocasião em que confeccionei 13 bonecas para trabalhar o mito navajo das Mães das Treze Lunações, com um grupo de mulheres em Pirenópolis. Depois de um tempo, a decisão de criar as Bendittas nasceu da minha necessidade de semear coisas boas à minha volta, ao tempo em que posso honrar o legado recebido das matriarcas de minha família.

O que te inspira a fazer bonecas? Brasília te traz inspiração (de que modo)?

Talvez a palavra inspiração não seja adequada ao meu processo de criação. Eu digo mesmo é que tenho fome de fazer bonecas. A primeira motivação, como eu disse, é de certa forma devocional, uma vontade sincera de semear coisas boas à minha volta. Cada Benditta é construída a partir de um tema da vida, como Alegria, Prosperidade, Saúde, etc. Assim, quando uma Benditta escolhe a sua dona, leva adiante a lembrança da capacidade que todos temos de gerar essa riqueza à nossa volta.

Por outro lado, Brasília é uma fonte rica de inspiração, também. Sou profundamente grata pela forma com que fui acolhida aqui. Assim sendo, procuro trazer seus personagens para o contexto das Bendittas, uma forma de retribuir a hospitalidade e também de me sentir fazendo parte deste contexto. Fazem parte desse trabalho iconográfico a família candanga, inspirada nas fotos do Arquivo Nacional, uma bordadeira de Planaltina, uma colhedora de flores do cerrado, as Marianjas inspiradas nos anjos de Ceschiatti e a Sinhá Laiá, do grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro.

Confiança

Quem não experimentou um dia a delícia de ser alvo de um voto de confiança? Parece uma porta que se abre com uma lufada de vento bem dentro da nossa cabeça, do nosso coração. De repente, as ideias ficam mais claras, as mãos ficam mais firmes e o corpo se alinha, em prontidão certeira. Parece um mergulho no poço das possibilidades, renovando a nossa coragem de ser em plenitude.

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Inspiração Candanga

É bem verdade que a alegria de estar sob o Sol é a mesma, quer se esteja no Eixão, num feriado em Brasília, ou nos degraus da Piazza di Spagna, enlouquecendo a audição com tantos idiomas distintos, falados ao mesmo tempo. Pois que o Sol tem o poder de clarear as surpresas que às vezes vêm camufladas em nossas vidas, escondidas nas dobras do cotidiano e, de repente, zás: se mostram espantosamente gratificantes, alterando o curso de nossos projetos, roubando por instantes a nossa respiração.

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