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O curso do rio

É fácil aceitar o curso do rio, quando conhecemos suas margens, cada banco de areia, quando a próxima parada é cúmplice de nossas expectativas. Mas, quando o espetáculo de nossas vidas foge do sript que ansiamos, muitas vezes a gente abre mão de se deliciar com a surpresa e exercitar a confiança, cedendo espaço para a insegurança e a ansiedade.

Quando começo a criar uma boneca atendendo uma encomenda, é com a minha alma inteira que procuro abraçar o tema que vai preencher o meu dia até o final.

Mas há também os dias em que me ocupo com a produção para estoque, para os mercados de artesanato e feiras. Essas peças são como biscoitos chineses: trazem no seu bojo uma mensagem, nem sempre muito fácil de perceber. Já descobri que não funciona muito a definição prévia do tema, que em geral me faz ficar andando em círculos. A estratégia eficaz nesses casos é, uma vez definida a cor da pele da Benditta, passar para a seleção dos tecidos e aviamentos do vestuário, pensar os complementos, a cor do cabelo, etc. E o tema da boneca vai se mostrando , devagarinho, sutilmente. Basta saber ouvir seu sussurro. Mas, se acaso eu venha sucumbir a qualquer tentativa de controle, é receita de turbulência, na certa. A prática vem me ensinando que eu sou um dos elos nessa história, sou tão-somente aquela que é a parteira nesse processo lindo e desafiador de trazer à tona uma nova Benditta.

E, por ver sentido nesse exercício, compartilho a descoberta com você, na expectativa de que nossas vidas possam fluir com a leveza e a certeza dos rios.

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